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CAINGANGUES ( ECHAPORÃ)

 

CAINGANGUES

CAINGANGUES
Quase toda a imensa área entre os rios Tietê e Paranapanema, desde as nascentes do Feio [Aguapeí] e do Peixe, às barrancas do Paraná, dominava os Caingangues, ameaçadores à presença do branco invasor de seus domínios, também intolerantes com outros índios da região, e, às vezes belicosos até com suas próprias gentes de outras tabas.

De acordo com pesquisadores citados por José Jorge Junior e autores regionais 
(1), os Caingangues atrasaram em muito a ocupação do oeste paulista (2), tendo notícias que até por volta de 1911/12 ainda aconteceram ataques contra os brancos (3) e os revides não menos sangrentos, nalgumas das mais dramáticas batalhas entre índios e brancos, que se têm notícias na história paulista.

Descendentes dos pioneiros e geração seguinte diziam que os Caingangues não se deixavam capturar e nem morrer sem lutar, sempre resistindo sozinhos os ataques do homem branco, nunca a se por sob guardas ou proteções jesuíticas, como o fizeram as demais nações indígenas da região, os Oitis e Ofaiês [xavantes] e os Caiuás [tupi-guaranis].
  • Os Caingangues ainda que indiferentes e hostis às pregações cristãs, procuraram pelas reduções jesuíticas, numa estratégia política momentânea, ou instinto de sobrevivência, para se livrar dos invasores paulistas ou do trabalho escravo aos castelhanos – as encomiendas, inclusive associando-se com etnias inimigas, dos Guaranis, para enfrentamento ao branco preador (4).
Pelo domínio Caingangue quase absoluto das regiões ocupadas em princípios do século XIX, portanto pouco antes da chegada dos pioneiros, a história deste povo tornou-se de interesse para os estudiosos em melhor conhece-lo, desde sua origem, tradições, usos e costumes, aos seus gestos heróico-suicidas em enfrentar, com bordunas, arcos e flechas, o branco invasor que vinha munido sempre de armas de fogo, numa luta bastante desigual, “terminada sempre com a vitória dos atacantes” (5).

De procedência discutível, exceto naquilo que os apontam por subgrupo da família ingüística Jê, tronco Macro-Jê, com seis dialetos compreendidos entre si, José Jorge Junior confirma que são “(...) bem controvertidas as teorias levantadas quanto a origem dos Caingangues, também conhecidos por Coroados”.
  • “A história do contato entre os Kaingang e os colonizadores europeus teve início ainda no século XVI, quando alguns grupos que viviam mais próximos ao litoral atlântico tiveram contatos com os primeiros portugueses. No entanto, os registros históricos dessa época não especificam com segurança aqueles grupos que [se] eram os ancestrais dos atuais Kaingang” (6).
Para José Jorge Junior, alguns estudiosos pretendem os Caingangues por remanescentes dos antigos Guaianás, do planalto Piratininga [São Paulo] que, num encontro em 1531 ficaram meses sitiados dentro de uma taba principal, sendo praticamente dizimados não só pelas armas e aprisionamentos daqueles que tentavam furar o cerco, como pelas doenças contagiosas que os portugueses lhes fizeram chegar, por alguns dos elementos da própria tribo, individualmente capturados e contaminados antes de libertados, exatamente com o propósito de extermínio biológico ou de devastação em massa, certamente naquilo que diz Gilson Bicudo, em seu Resumo Histórico de Botucatu, do contato europeu com os índios do planalto como a “primeira guerra biológica de devastação em massa”.

Outros pesquisadores opinam que do encontro e união dos debandados Guaianás, com os destroços de antigas tribos como os Comés, Dorins, Votorões e os Quilombolas, surgiram os Caingangues, com o que justificam aqueles entendidos, a pouca inteligência, a deslealdade e sua extrema ferocidade. José Jorge Junior em publicação de 12/03/1969 cita as tais tribos e informa dos encontros pressupostos, mas não os endossa.

Algumas opiniões dão os Caingangues como oriundos das margens do rio Uruguai, expulsos da tribo original por alguma dissidência bastante grave, de onde saíram os piores elementos os quais, entrando pelo Paraná, levaram de vencida os Caiuás e atingiram o estado de São Paulo.

A maioria dos autores entende que os Caingangues chegaram à região paulista, entre os rios do Peixe e Paranapanema, não antes do ano 1800, no entanto pressupondo-os de diferentes regiões, pelos dialetos apresentados, aumentam ainda mais o mistério migratório: porque habitantes de locais diversos e distantes convergiram para um mesmo lugar numa mesma época? 

A significação do nome Caingangue, apesar de tantas divergências, desde o tipo de corte do cabelo que se assemelha ao dos frades franciscanos, daí serem conhecidos também por Coroados, quanto a justificativas filológicas com significados de , então gente do mato, enquanto o estudioso Luiz Bueno Horta Barbosa, citado por José Jorge Junior, afirma que os Caingangues só ficaram conhecendo esta denominação depois de ouvi-la dos brancos.

Não é errado, para José Jorge Junior, acreditar que Caingangue seja o designativo Xavante “Caingué” – o mesmo que parente, para se referir a um igualmente índio ainda que de outra tribo ou nação, talvez apenas coincidente que Xavante e Caingangue sejam aparentados, ou seja, de um mesmo tronco lingüístico familiar.

Os Caingangues viviam em ranchos, um maior ao centro cercado por outros dez ou doze menores, com população de trinta a cem pessoas, naquilo que se pode denominar aldeia, tendo em volta área livre para plantações em épocas possíveis.

A moradia maior media uns dez metros de frente por três ou quatro de fundos, para o líder tribal, enquanto as moradias menores tinham seis metros de largura por dois de fundos, quase sempre destinadas a outros líderes e às famílias com crianças. Para táticas de guerras contra os invasores brancos, construíam ranchos isolados [um, dois ou três] e neles colocavam seus doentes, feridos e velhos – raramente mulheres e crianças, enquanto ficavam escondidos nos arredores aguardando o ataque inimigo. 

Por entre a roçada, diversos caminhos conduziam rápido até aldeias em torno, cinco, dez ou mais delas, a depender do número de famílias, quase nunca além dos cem metros de distância uma da outra, que unidas formavam uma tribo. Eram ranchos com cobertura de um só plano, sendo em geral habitados pelos guerreiros.

Também esses ranchos estavam cercados por clareiras protegidas por troncos de madeiras e trincheiras estrategicamente postas, algumas camufladas como verdadeiras armadilhas. Eram mestres em apagar rastros e ocultar seus caminhos mediante presença inimiga.

O mobiliário consistia apenas em alguns pedaços de paus, um maior a unir teto e chão para pendurar tralhas, e outros menores e deitados que serviam de travesseiros ou bancos, todos destinados ao rancho maior [do cacique]. Fora da cobertura, mantinham fogo aceso para aquecimento e defesa contra peçonhentos. Os Caingangues dormiam sobre folhas espalhadas ao chão.

Os utensílios eram apenas os necessários: para o preparo culinário, numa trempe sobre o fogo, panelas de barro de um a dez litros; faziam machados de pedra para derrubar árvores; trabalhavam as flechas, arcos e lanças feitos em madeira; em ossos confeccionavam as facas, pontas de lanças e flechas, algumas de pedras lascadas e outras tantas pontas de ferro ou aço, conseguidas dos brancos por furtos e despojos.

As pontas de flechas e lanças podiam ser simples, duplas, tríplices ou quadridentadas. Algumas simples tinham fisgas e outras um pedaço roliço de madeira, próprias para caça de aves. .

Sua melhor indústria era a da guerra, com arcos de dois metros e setenta de comprimento, biconóide, resistente e bem trabalhado com encastoados de guembê nas extremidades. Para atirar flechas com arcos tão grandes, alguns guerreiros deitavam de costas e com os pés esticavam seus arcos para maior eficiência e força dos lançamentos.

Os tamanhos das lanças curtas de arremesso variavam, de cinco a vinte centímetros de comprimento, sendo algumas das azagaias maiores que sessenta centímetros.  As flechas geralmente eram uniformes em tamanho e quase sempre do comprimento do arco, feitas de duas peças, uma de madeira maciça unidas por guembê, outra de cana amarela com duas penas de ave na extremidade, que parecia melhor auxiliar na direção desejada.

Trabalhavam a cerâmica sem preocupações de arte, seus vasilhames sempre tinham uma só forma, embora de tamanhos variáveis para utilidades também diferentes, como armazenagem de água e mel. Vasilhames de algumas tribos apresentavam colorações diferentes, vermelha, pardacenta, preta e amarela, como a sugerir para qual utilidade, como a preta que era para ser levada ao fogo; também foram vistas algumas cerâmicas com desenhos de traços retos, quase propositadamente apagados.

Os Caingangues abandonavam seus ranchos, temporária ou definitivamente, quando obrigados a migrações, fazendo pelos caminhos pequenas choças, sempre próximas: “a uma arvore, cravam no solo uma vara de qua­tro a cinco metros de comprimento e por meio de um cipó amarram fortemente a uma arvore obrigando a vara a fazer uma curva em forma approximada á de um n. No alinhamento da arvore e da vara assim curvada, cravam distante dessa outra vara que por sua vez é tambem encurvada e amarrada na parte superior da curva antecedente. A esta succede outra e assim por diante. Sobre as varas assim dis­postas é estendida a cobertura, mas de um lado só, ficando outro inteiramente aberto para dar accesso ao interior das choças que são separadas entre si por meio de um anteparo do mesmo material que o da cobertura, geralmente feita de palhas de co­queiro ou de cascas de madeiras” 
(7).  

Esses índios viviam sob a direção de um cacique posto por hereditariedade, mas com poderes limitados, estando mais para as funções de conselheiro que chefe tribal, obrigado a trabalhar igualmente aos demais índios para a sustentação familiar.

Cada arranchamento tinha um líder guerreiro, tipo chefe de aldeia, um deles, quase que regra, seria filho do cacique.

A autoridade do cacique Caingangue podia ser posta em dúvida e ser ele destituído das funções, passando o cargo a seu filho primeiro, desde que este demonstrasse qualidades para tal exercício. Não havendo herdeiro presumível escolhia-se outro de qualquer família, o mais forte ou o mais velho; nenhum pesquisador parece ter identificado alguma mulher no exercício de líder de tribo ou chefe de aldeia.

Não tinham juízos do bem e do mal referente às condutas ou comportamentos individuais, sendo que ocupantes de cargos distribuídos como pajelança, vigia de campo, responsável religioso ou chefe de aldeia, se mantinham a custa de constantes agrados e presentes aos membros da tribo que podiam sustentá-lo nas funções. O próprio cacique era subornador, naquilo que informa José Jorge Junior, quando, porém, a comunidade sentia-se ameaçada, ou durante as festas, ou alguma necessidade tribal, o cacique ou qualquer um que desempenhasse atividades delegadas, eram plenamente respeitados de modo absoluto.

Um homem podia ter uma ou duas mulheres, desde que as pudesse sustentar com seus esforços, e não podia repudiar nenhuma delas, a qualquer pretexto, exceto infertilidade.

O jovem para se casar tinha antes que adquirir condições para garantir a própria subsistência e a da nubente, que lhe era prometida na passagem puberdade, numa cerimônia religiosa e festiva, marcada pelos pais, que podiam aceitar ou recusar a proposta, sem ressentimentos.

O casamento significava uma festa religiosa enquanto o noivo ficava em um quarto, deitado, onde a mulher era levada por um parente e para o casal nisso reduzia-se o cerimonial, para família continuavam ritos e festas até o amanhecer.

O casamento sem filhos era instável, e a mulher ou o homem podia ser liberado do compromisso, ou mesmo o homem praticar a bigamia e caso continuasse o lar sem filhos, lhe era proibido outro casamento, e as mulheres liberadas para um novo enlace.

A mulher dava a luz sozinha, na mata e próximo de águas [rios], vigiadas de longe por pessoas da tribo, geralmente parentes, que não podiam vê-la, e a sós ela tinha o filho.

Ao primeiro choro da criança, um dos vigilantes corria ao encontro da mãe e filho para, suspender a criança nos braços e ela dar o primeiro nome. Aos sete anos a criança recebia o segundo nome num cerimonial, e daí em diante viria receber outros tantos nomes inspirados em seus feitos, um substituído por outro mais recente, permanecendo inalterados apenas os dois primeiros.

Tinham tabus contra casamentos em família, não se permitindo uniões entre pais e filhas, filhos e mães, de tios [as] com sobrinhos [as], entre irmãos ou mesmo primos.

Tinham rígida lei civil, punindo com proporcionalidade os crimes, após julgamento por um conselho, sendo mortos quem ousasse quebras de tabus, quem cometesse crime de traição à tribo, ou casos de rebelião.

Se algum membro da tribo viesse ser capturado, por brancos ou inimigos índios, seus companheiros tinham determinado prazo para tentar liberta-lo, caso não conseguisse procuravam mata-lo e, ainda assim, não logrando êxito, o próprio indivíduo devia praticar suicídio, pois que era desonra trabalhar para quem não fosse da mesma tribo.

Consideravam inimigos os companheiros que se deixavam civilizar. Dez famílias Caingangues moradoras numa das fazendas do Coronel Francisco Sanches de Figueiredo – certamente mantidas a força, fugiram dali, proximidades da atual cidade de Palmital, por se sentirem ameaçadas de morte por elementos do mesmo grupo, que já rondavam as imediações. Foram proteger-se no Bairro da Aldeia, dentro da Fazenda denominada São Matheus, região de Paraguaçu Paulista, onde tempos depois foram mortas e tiveram seus ranchos e roçados incendiados 
(8)

Não deixavam vivos seus inimigos capturados, e desenvolveram estranho rito de crucificar inimigos brancos, constante do relatório de Urias Nogueira de Barros ao imperador D. Pedro II, que fala da morte do mineiro João de Deus. Donato faz referência ao relatório Urias e também confirma que o Capitão Inácio Apiaí, por volta de 1853 foi crucificado por índios, próximo de sua casa na fazenda Rio Claro 
(9).

Quase sempre os Caingangues atacavam locais isolados, raramente povoados, sendo muitas narrativas de ataques bárbaros aos brancos, matando-os a tacape, por esquartejamentos, amputações dos membros com a vitima ainda viva. Às vezes praticavam degolas e empalações.
Nos anos 1960/70 os antigos – descendentes de pioneiros, ainda contavam que os Coroados matavam brancos e roubavam tudo que lhes viessem interessar, tendo certa fascinação por botas que, não sabendo retira-las ou na pressa da evasão, cortava as pernas e levavam para a aldeia 
(10). Diziam, ainda, que carregavam braços e pernas amputados dos brancos para que lhes servissem de alimento, e também se serviam das carnes de cães e gatos roubados das propriedades dos pioneiros.

David Emanuel Madeira Davim, no entanto, ao mencionar o estudioso Carlos Teschauer, conclui que os índios Caingangues não se valiam da antropofagia para com os seus prisioneiros de guerra 
(11); por outro lado era certo que os indígenas matavam os cães porque estes lhes denunciavam as presenças, alertando seus donos, mas nenhum registro quanto ao consumo de carne canina ou mesmo do gato doméstico.

De religião própria mantinham o culto aos mortos familiares ou heróis de tribos, e tinham espécie de adoração ao fogo como entidade maior, embora raramente produzisse o fogo pelo atrito de madeira seca, pois que o mesmo era mantido aceso por mulheres guardiãs e por elas transportado durante as viagens, quase sempre com certo ritual.

A morte era encarada como realidade irreversível e com isso a serenidade diante dela. Tinham entendimento de algum elemento a animar a vida e de seu retorno após morte, mais ou menos próxima à crença guarani na reencarnação 
(12), ou alguma noção da metempsicose para outras tribos, doutrina segundo a qual uma mesma alma podia animar sucessivamente corpos diversos, homens ou animais, às vezes a pretender que esse tal elemento pudesse estar ao mesmo tempo no humano e no animal.

O velório era mantido sob cantoria e sons de maracás e os ouvidos do morto soprado constantemente pelos companheiros que o rodeavam de cócoras. Um estranho encaminhamento do finado ao local de sepultamento, fazia-se dobrando suas pernas junto ao ventre para assim transporta-lo amarrado dorso a dorso ao seu carregador. A cova era rasa, com enchimento de folhas de palmáceas, depois levantavam um morro mais ou menos de oito por três metros.
  • Diferentemente dos Jês Caingangues, os Tupi-Guaranis enterravam seus mortos em covas profundas, com todas suas armas, geralmente postas em urnas de barro, em posições fetais, pernas dobradas juntas ao tórax. 
O guerreiro era sepultado com suas armas, objetos de uso pessoal e os presentes especiais, sendo incinerados seus demais bens, inclusive os seus animais, enquanto a viúva isolava-se na mata por determinado período de tempo, quando não olhava nem era vista por ninguém, sob pena de doenças ou morte daquele que viesse violar as regras. Findo o recolhimento, a mulher era liberada para novo casamento.

O homem Caingangue andava nu, às vezes um cordão colorido preso à cintura, talvez em sinal de distinção tribal, enquanto a mulher usava uma tanga presa à cintura e que chegava aos joelhos, feitas de fibras vegetais com certa preferência de gravatá [caraguatá]. Também faziam esteiras de fibras de urtigas ou de gravatá.

Trabalhavam a taquara fazendo balaios, jacás, covos e talas para usos diversos inclusive para imobilizar partes de membros ou auxiliar cura de ossos fraturados. Algumas tribos faziam verdadeiras obras de artes em taquara com cascas de certas espécies de cipó, como o guembê.

Antigos relatos dão conta do costume Caingangue em alimentar o tapir, como forma de arrebanhamento para fins de provisões de carne, leite e pele. Tinham, também por costume, dar ao animal seu alimento preferido, o "ûyólo nya tëí", de cujas sumidades também se faziam chás para banhos e ingestões em cerimoniais representativos, certamente por considerar referido animal uma dádiva dos deuses 
(13).

O OCASO DE UM POVO GUERREIRO
Nos últimos anos do século XIX já não havia índios selvagens no Planalto Ocidental Paulista senão os Caingangues, contra quem as lutas tornaram-se extremamente violentas e as dadas mais sangrentas, em disputa de vasto território de 35 mil quilômetros quadrados, 15 mil do Vale do Peixe e 12 do Feio/Aguapeí, ainda ocupados por tribos daquela nação. Outros oito mil quilômetros quadrados, no Vale do Batalha e Baixo Tietê após a Serra de Agudos, nas denominadas Terras de Lençóis até o Avanhandava e Itapura, também eram territórios Caingangue em disputa com os brancos.

A dinâmica expansionista do capital não admitia oposição aos avanços da nova ordem, ou seja, o empreendimento econômico, sistematizado nas ocupações e incorporações de terras indígenas restantes a favor dos fazendeiros [café, algodão, pecuária e povoações], das empresas [ferroviária, navegação e rodoviária] e dos núcleos habitacionais. A tomada de terras Caingangues representava, portanto, a ampliação e consolidação deste espaço sócio mercantil necessário.
  • As frentes de expansão em atenções aos interesses econômicos do governo, dos fazendeiros e das empresas de colonização, invadiram, tomaram e entregaram terras indígenas para o capitalismo, não importando o extermínio de tantos povos indígenas.
Em meados do mesmo século XIX outros grupos indígenas já haviam sido exterminados pelos entradistas, a serviço de José Theodoro de Souza, e dos primeiros desbravadores, não tardando Campos Novos Paulista tornar-se a principal base de apoio logístico para a conquista do Vale Paranapanema em direção ao rio Paraná. A resistência Caiuá fora quebrada entre 1850/58 com extermínio quase total, depois a dos Xavantes entre 1870/1880, também com exterminação, e a partir de 1886 chegava enfim a vez e hora dos Caingangues se defrontarem mais diretamente com o homem branco, embora desde 1858 ocorridos alguns combates, nos avanços pioneiros a noroeste de Campos Novos Paulista e em regiões de Bauru.

Concluída a etapa Vale Paranapanema e opondo-se os Caingangues ao avanço das frentes de ocupação, também de Campos Novos  Paulista 
partiram os primeiros caçadores e assassinos de índios, rumo ao Vale do Peixe, para tomar-lhes as terras e entrega-las aos empreendedores e grileiros. Uma segunda base de apoio ou sentinela avançada se fez erguer em Espírito Santo da Fortaleza, depois transferida para Bauru, de onde partiram outras expedições de conquistas rumo ao Vale Feio/Aguapeí e partes do Peixe. 

A despeito da Lei da Terra [1850], o avanço branco contava com o beneplácito do governo paulista e sua flexibilidade fundamentada em ordens régias, tolerantes e liberais, a exemplo da Legalização da Guerra ao Índio e sua Escravização, pela Carta Régia de 05 de novembro de 1808, dirigida ao Governo da Província de São Paulo: ”Que não há meio algum de civilizar povos bárbaros, senão ligando-os a uma escola severa, que por alguns anos os force a deixar e esquecer-se da sua natural rudeza, e lhes faça conhecer os bens da sociedade (...). Que todo miliciano, ou qualquer morador, que segurar alguns destes índios, poderá considerá-los por quinze anos como prisioneiros de guerra, destinando-os aos serviços que mais lhes convier” 
(14).
  • Considerados bárbaros e rebeldes aos Aldeamentos, o recontro entre brancos e Caingangues foi mesmo bastante complicado, sempre o mais violento possível, com investidas dos pioneiros e o revide dos índios que, às vezes, atacavam antes, quando então elegidas as localidades de Campos Novos Paulista  e Espírito Santo de Fortaleza, depois Bauru, por sentinelas avançadas para sediar e organizar grupos armados dirigidos contra aldeias dos Coroados.
Houve um freamento nos ataques aos índios, desde o massacre a uma aldeia Caingangue promovido por Felicíssimo Antônio de Souza Pereira, em 1858, na região de Bauru, com repercussão na imprensa e meio político de toda província e Corte Imperial. Contudo, a despeito da veemente censura e indignação nacional, se fez prevalecer os interesses dos desbravadores interessados em proteger “localidades ocupadas por gente civilizada, laboriosa e útil ao país”, fazendo o governo da Província de São Paulo “autorizar a formação de bandeiras com todo aparato característico das similares do período colonial e com recomendações adicionais da Diretoria Geral dos Índios, sugerindo a retirada dos naturais... ‘para lugares longínquos (...) além do Paraná e neste caso destruindo os seus alojamentos para que não possam regressar a eles’ (...)“ (15).

No ano de 1862 grupos Caingangues são vistos nas regiões do rio Pardo, Alambari e Batalha [Bauru], e a eles dando combate o sertanista José Theodoro de Souza na região do rio Batalha 
(16)

A rotina de conquistas e avanços em território Caingangue recomeçou em 1878, com a organização dos invasores contratando os bugreiros, ou a se valer de certos fazendeiros especializados também como bugreiros iniciados nas dadas, ou jagunços premiados por feitos assassinos [fugitivos da justiça] a favor de patrões, uns tidos por heróis da Guerra do Paraguai, portanto homens experimentados em batalhas, outros vindo dos remanescentes pioneiros outrora chefes de bandos, em Minas Gerais ou Rio de Janeiro, todos igualmente provados em atacar e matar oponentes sem lhes dar oportunidades de defesas.

Na década de 1880 recrudesce o massacre contra a população Caingangue, com avanço colonizador e das frentes de ocupação territorial, quando o Governo da Província decide abrir caminhos por entre terras indígenas; como podiam, os Caingangues revidam ataques aos brancos, numa luta bastante desigual e que os tornava mais enfraquecidos, carentes de gentes e armamentos.

Já ao final da década e do século XIX, 1898, poucos Caingangues ainda viviam nas matas, acossados pelas frentes de expansão que já conquistara grandes partes dos seus territórios diminuindo-lhes espaços para caças, pescas e coletas, além da impossibilidade de roçados quase sempre destruídos pelos atacantes. Estava em curso, através das dadas, um dos maiores etnocídios da história paulista.

O jornalista Mauricio Castelo Branco entende que “A omissão do Estado e da imprensa na época foi fatal para os Kaingang. Desde a Proclamação da República, a Igreja estava afastada do processo de pacificação. O governo, por sua vez, não havia criado mecanismos próprios para substituí-la nesta missão. E o pior: fez vistas grossas ao genocídio. Os principais jornais paulistas limitavam-se a noticiar os poucos relatos que chegavam à redação sobre ataques contra os Kaingang, ainda assim de forma resumida e evasiva. A imprensa era pautada pela visão hegemônica e eurocentrista de progresso - a base da justificativa para a carnificina”. 
(17).

Três anos depois, em 1901, os Caingangues ainda se defendiam dos constantes ataques dos grupos armados a serviço das frentes expansionistas. Neste ano entra em defesa do índio o capuchinho Claro Monteiro do Amaral, já de reconhecida experiência – pelos seus pares, no fracassado aldeamento de Campos Novos Paulista [1888], vindo juntar-se ao Padre Bernardino de Lavalle para implantação de nova catequese “(...) próximo as cabeceiras do Ribeirão Veado, na raiz da Serra do Mirante (...)” 
(18), imediações da atual Echaporã – proximidades do rio do Peixe.

Padre Claro e o Padre Lavalle sensibilizaram autoridades e outros setores da sociedade paulista a favor dos Caingangues, para que fossem suspensas as invasões territoriais enquanto se discutia meios de pacificações através da Catequese da Serra do Mirante, outras em pontos estratégicos, e destinação de amplo território para confinar os índios, aí se visualizando uma faixa de terras à esquerda do Tietê 
(19), certamente adiante de Avanhandava e Itapura, obviamente contrariando interesses dos empreendedores capitalistas e dos grileiros de terras.   

Padre Claro foi morto, no rio Feio, pelos próprios índios que tentara salvar da dizimação, sendo sua morte pretexto para recomeçar os ataques aos Caingangues e terríveis carnificinas, nada obstante os protestos de Padre Lavalle.

Entre 1907/1912 os Caingangues já não se apresentavam mais como unidade tribal, posto fracionado em grupos nômades independentes, ainda num imenso espaço territorial. Aparentemente a fragmentação foi decorrente de estratégia dos brancos em isolar grupos e assim enfraquece-los, com resultado desastroso, pois que os Caingangues tornaram-se muito mais perigosos, agindo cada grupo isoladamente, com extrema mobilidade e grande capacidade de atacar de surpresa em diversas frentes contra os inimigos regularmente ordenados.

De 1908 a 1911 as frentes de ocupação não mais conseguiam progredir dentro do território Caingangue, os trilhos da estrada de ferro não avançavam, os ataques indígenas se tornaram cada vez mais freqüentes e eficientes – muitas perdas de vidas, e os prejuízos eram enormes. Diante as dificuldades os empreendedores optaram negociar, também em atenção às insistentes pressões de grupos intelectuais, políticos e militares, a culminar com o governo federal criando naquele mesmo ano o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), sob direção do então Coronel Candido Rondon, com a missão de evitar mais chacinas e apaziguar os Kaingang 
(20); ainda assim, no período, morreram aproximadamente quinhentos Caingangues (21).

Para maior eficácia de ação o SPI buscou grupos Caingangues pacificados da bacia do Tibagi e línguas – linguarás ou intérpretes, para ajudar nos contatos em 1912, destacando-se a célebre índia Vanuire, a maior colaboradora na pacificação dos Caingangues paulistas, dirigindo-se diretamente aos grupos indígenas espalhados, ou, da copa de grandes árvores gritando-lhes pedido de paz 
(22). Horta Barboza registra que metade dos Kaingang paulistas morreu de uma epidemia de gripe logo após os primeiros contatos entre 1912 e 1913 (23), restando “do contingente estimado em 4 mil (...) apenas 700” (24).

Os sobreviventes Caingangues foram reduzidos em Icatu, hoje pertencente ao município de Braúna, próximo de Araçatuba, e depois o Índia Vanuire [1917] em Arco Íris, vizinhanças de Tupã – SP. Os índios aldeados em Índia Vanuire não foram apenas os sobreviventes de grupos paulistas, e nem puramente Caingangues 
(25), agora atacados por outros inimigos não menos impiedosos: doenças, como gripe espanhola e sarampo, contra as quais não tinham imunidade. “Em 1916 estavam reduzidos a 173” (26).
  • “Os índios Kaingang paulistas chegam ao século XXI reduzidos a menos de duas centenas de indivíduos confinados em espaços bem restritos” (27).
A estratégia que garantiu a eficácia da conquista final do território Caingangue, sem dúvidas foi a de treinar e transformar grupos aldeados em intermediários a serviço dos conquistadores. Talvez, sem essa intermediação, nenhum grupo Caingangue paulista sobreviveria o extermínio total movido pelos brancos.

RAZIAS  - Celso E Junko Sato Prado. 

  ( copiei de um livro da Biblioteca de Echaporã em um curso de resgate histórico em 2008) a minha parte era pesquisar caingangues e meu bisavo Santiago)

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